O vaivém de cabos, sargentos, tenentes e capitães é intenso. Todos se preparam para um exercício-surpresa noturno na batalhão Bardelás (guepardo, em hebraico), ao sul do mar Morto, na desértica fronteira com a Jordânia.
A missão: evitar um atentado terrorista simulado a um posto de gasolina. Mas um detalhe distingue esse batalhão de outros da infantaria do Exército israelense: é uma das quatro unidades mistas, nos quais combatentes homens e mulheres treinam juntos.
O batalhão Bardelás é exemplo de uma revolução no serviço militar do país, o único do mundo no qual o alistamento feminino é obrigatório, assim como o masculino. Em 2017, um recorde de 2.700 mulheres decidiram abrir mão de funções burocráticas em prol de postos de combate —15% a mais do que no ano passado e 500% a mais do que há apenas cinco anos. Elas já são 7% do total de combatentes.
"Dizer 'combatentes mulheres' já não é mais tão esquisito", diz a cabo Netali Shem Tov, 19, há um ano no Bardelás. "Tem chauvinismo em todo lugar, mas aqui temos a possibilidade de mostrar o nosso valor." Netali diz que sua motivação é passar por experiências novas e, quem sabe, abrir caminho para uma carreira como policial ou agente penitenciário.
O aumento segue uma tendência mundial. O governo britânico decidiu em setembro pelo fim da proibição do alistamento do "sexo frágil" para postos de combate.
A RAF (Força Aérea Real, na sigla em inglês) já abriu inscrições. Em 2018, será a vez da Marinha. Nos EUA, o processo começou em 2016, com o alistamento feminino para unidades como a famosa Navy Seals. Em 27 de novembro, foi anunciado que 22 mulheres conseguiram passar pelo primeiro treinamento.
O Bardelás, criado em 2015, é o segundo batalhão misto do Exército de Israel. O primeiro foi o Caracal, em 2000, que, por anos, foi considerado apenas um tubo de ensaio para mulheres mais ousadas. Depois do Bardelás, no entanto, outros dois batalhões surgiram: o Leões do Jordão e o novíssimo Leão do Vale.
Eles refletem o interesse das mulheres em uma participação mais igualitária nas Forças Armadas em um país no qual a segurança é prioridade e farda confere prestígio.
Para dar chance às soldados, o general Mordechai Kahana decidiu, em agosto, baixar a altura da parede de escalada pela qual todos os recrutas da infantaria têm que passar no treinamento final. Ele também aceitou diminuir o peso dos coletes das soldados durante os exercícios.
"Apesar de tudo, o treinamento aqui ainda é do mais alto nível. Carregamos menos peso porque somos mulheres, mas fazemos tudo como os homens", afirma a cabo Danielle Suissa, 19, há oito meses no Bardelás.
Paralelamente, foi anunciado que 13 soldados mulheres das Forças Blindadas começarão a patrulhar a fronteira de Israel com o Egito, em três tanques, em dezembro.
Tudo isso atraiu a atenção dos que consideram as medidas um perigo para a segurança nacional.
A ONG Irmãos em Armas lançou campanha dizendo que mulheres desviam a atenção dos homens em batalhas, além de serem mais fracas e mais suscetíveis a lesões.
Outro grupo de 70 oficiais da reserva divulgou carta pedindo a suspensão do alistamento. "Esse processo coloca sobre o Exército uma nuvem negra e perturbadora".
Em resposta, 350 oficiais da reserva, homens e mulheres, divulgaram carta em prol da integração feminina em posições de combate.
ASSÉDIO SEXUAL
Outras preocupações dão as caras quando se fala na convivência entre moças e rapazes de 18 a 21 anos em bases mistas. Apesar de os dormitórios e banheiros serem totalmente separados, jovens dos dois sexos convivem a maior parte do tempo.
Durante o serviço militar em Israel, 1 em cada 6 mulheres reclama de assédio. Não há números específicos quanto a batalhões mistos, mas a preocupação é clara.
Há sentinelas que evitam que os rapazes entrem nos dormitórios das moças e vice-versa. Quando o batalhão pernoita em campo, a tenda das mulheres é separada da dos homens por um pano.
A sargento Belle Karminski, 20, uma das primeiras mulheres do Bardelás, entende o problema, mas garante que nada sério aconteceu nos quase três anos de existência do batalhão. "Os soldados sabem que não podem fazer besteira porque serão punidos".
Belle lutou para conseguir a posição. Como é filha única, o Exército exigiu que sua mãe aprovasse a opção.
Na prática, só 58% das moças de 18 anos, em Israel, vestem o uniforme militar. As casadas, grávidas e religiosas são dispensadas. Até 2000, serviam num Exército "paralelo": a Corporação das Mulheres ("Chen", na sigla em hebraico). Só em 2001 as mulheres passaram a fazer parte das Forças Armadas "reais".
Hoje, 85% das posições militares estão abertas a elas. Já ultrapassam os homens no percentual de oficiais: 57% contra 43%. Mesmo assim, o estigma ainda é grande.
"Meus amigos riram, no começo. Mas depois viram que não somos de 'segunda classe'", conta o primeiro-sargento Sasha Vaknin, 21.
O oficial, que é religioso, teve que superar as suspeitas da noiva. "No treinamento básico, eu ficava muito sem celular. Ela queria saber tudo. No final, nosso relacionamento saiu fortalecido."
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